Antes da pandemia por Covid-19, a nível profissional, tinha uma estrutura montada com alguma envergadura. Era arrendatária de uma loja de 260mt2, no centro da cidade de Setúbal. Espectava vir a comprar o espaço e dar continuidade à minha atividade que se encontrava em crescimento. Detentora de uma família numerosa em que também o meu marido é empresário em nome individual, foi com apreensão e consternação que vivenciámos a chegada da pandemia por Covid-19.
Na base do medo, vulneráveis pelos fatores reais e suas implicações, quer sejam financeiros, laborais, saúde, relacionais, familiares entre outros que nos tornavam mais suscetíveis de desenvolver um distúrbio, decidimos sem projeções, dar o nosso melhor em todos os momentos e tentar ‘’virar o jogo’’ a nosso favor, agir com positivismo. Como pais, somos as estruturas fundamentais da família, somos modelos de referência para os nossos filhos.
‘’Um dia de cada vez’’ ou ‘’apagar o fogo que está mais perto da barriga’’ eram as expressões mote, evitávamos a maioria das notícias que nos conduziam ao medo e incerteza, reconhecemos que não podíamos controlar o que estava fora da nossa realidade e alcance (longe do barriga) e que teríamos que aceitar a nova realidade mundial com todas as suas possíveis implicações. Reconhecemos que estávamos no meio cultural e social perfeito para desenvolver uma perturbação psicológica pelas alterações pessoais, intrapessoais e profissionais que originavam um mal-estar e problemas significativos, Kearney & Trull (2012).
Apoiei-me na Psicologia Positiva de Seligman, focámos todos os potenciais positivos da situação e elaboramos um esquema de funcionamento em casa e fora dela por forma a não entrar em impraticabilidade, o meu marido era o único que saia de casa para tratar do aprovisionamento, situações legais e laborais, eu estava responsável pela manutenção e bom funcionamento da hoste. Criei rotinas conjugadas com as do Colégio Militar que sempre manteve o bom funcionamento académico e apoio aos seus, uma vez que, dos nossos três filhos, dois encontram-se em regime de internato. Agarrámo-nos ao facto de pelo menos neste aspeto a pandemia trazer ‘’algo de bom’’. No fundo, podíamos estar os cinco em casa, juntos, todos os dias, como há muitos anos não o fazíamos. Uma confortável armadura que nos protegia da pandemia. Dei um maior enfoque ao meu negócio a nível online, deduzi facilmente que seria o futuro. A nível familiar implementei diferentes programas com novidades e ricos em experiências, como jogar jogos, ver filmes, cozinhar, costurar, praticar atividade física, bricolage, reciclagem, redecorar entre outras atividades e brincadeiras que me/nos ocorriam e que nos iam afastando da irracionalidade sugestionada pelo pânico geral face à pandemia, por forma a não cairmos numa desordem psicológica associada ao mal-estar. Era real a consciência dos malefícios do stresse e das suas consequências futuras principalmente nos meus filhos com idades compreendidas entre os 7 e os 16 anos, sendo que o mais novo é portador de uma doença crónica (Atresia das Vias Biliares). No fundo cultivei o pensamento de que podíamos estar os cinco em casa, juntos, todos os dias, como há muitos anos não o fazíamos. Uma benesse. Uma confortável armadura que nos protegia da pandemia.
A verdade é que facilmente reconhecia que o mundo se encontrava num estado de ‘’fight or flight’’. Segundo LeDoux, (2002) a amígdala como parte do sistema emocional responsável pelos input e output da informação do medo, assim como na compreensão das ameaças resultando na ativação, vigilância e ansiedade encontrava-se em ação excitatória. Entrámos mundialmente na luta com uma mão atrás das costas, pelas diversas circunstâncias a luta era desigual, estávamos em nítida desvantagem em relação ao desconhecido e mortal vírus, cheios de pré-conceitos, por vezes discriminatórios, em relação às pessoas mais velhas, os mais vulneráveis, o que causava uma maior tensão e preocupação com os nossos ‘’velhos’’. Momentos houve em que vivíamos em stresse e ansiedade.
Segundo Barlow & Durand, (2013) a ansiedade é um sistema de alarme que nos permite mobilizar recursos para fazer face a possíveis ameaças. Ao nível dos progenitores, de um lado da família existe uma tendência hereditária para a depressão diagnosticada, medicada e devidamente acompanhada, era necessário minimizar o stresse por forma a evitar a degeneração e enfraquecimento das células do hipocampo e consequente morte. Como medida preventiva e na possibilidade de se poderem mobilizar recursos, foram para a casa de campo com o devido acompanhamento familiar e ausência de qualquer tipo de necessidade fisiológica, o stresse e ansiedade face ao momento vivenciado não se instalou. Do outro lado, a idade ainda não se revela pesada, a tenacidade e ausência de medo face à pandemia revelaram-se uma mais-valia como factor estabilizador, ainda que tivessem existido alguns períodos de maior dificuldade causados por perdas de vizinhos e conhecidos aquando de um surto na área de residência.
No regressar à vida normal, uns dos progenitores não regressaram da casa de campo. Os nossos filhos ressentiram-se emocionalmente com o afastamento familiar causado pelo regresso à vida colegial. Passei a trabalhar apenas de forma online, o meu marido aumentou a sua atividade e a restante família seguiu sem ser afetada em demasia.
Bibliografia:
Pires, Ludeña, & Tomé-Pires (2018). Noções de Psicopatologia. Lisboa: Universidade Aberta
Nota: Reflexão critica da autoria de Isabel Gomes, elaborado para a cadeira de Noções de Psicopatologia, UAB, 2021/2022, sobre ''A pandemia COVID 19 e as várias mudanças que a mesma trouxe, como os períodos de confinamento, o distanciamento físico, o medo da infeção, a crise económica e a incerteza do futuro, têm representado um desafio significativo para todos nós. Pensando na sua vida profissional e/ou familiar, procure analisar o impacto psicológico da pandemia.''
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